Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo João
(Jo 4, 5-15.19b-26.39a.40-42)
O Evangelho deste domingo oferece-nos a passagem da samaritana. São João relata que, “cansado da viagem, Jesus sentou-se junto ao poço [de Jacó]”, “por volta de meio-dia” e “chegou uma mulher de Samaria para tirar água”. Essa imagem evoca outros trechos do Antigo Testamento: como o ponto de encontro de Isaac e sua mulher, Rebeca [1]; de Jacó e sua esposa, Raquel [2]; e de Moisés e Sefra, filha de Raguel [3]. O poço está intimamente ligado ao amor esponsal, entre o homem e a mulher.
Lendo a passagem da samaritana a partir de um sentido místico, é possível ler Jesus que pede “Dá-me de beber” como um Esposo que sente sede das almas que desposa. Logo depois, porém, Ele revela que é Ele mesmo quem nos quer dar de beber: “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva”. A samaritana, não compreendendo o significado profundo das palavras de Jesus, dá-lhe ocasião de explicar que o poço de água viva de que fala não é o poço de Jacó, mas Ele mesmo: “Todo aquele que bebe desta água terá sede de novo. Mas quem beber da água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna”. Essa “fonte de água” na alma dos que creem no Cristo é, como explica Jesus mais adiante [4], o dom do Espírito Santo.
Neste Evangelho, existe também um paralelo muito próximo com o que acontece na Cruz. Assim como Jesus se senta próximo ao poço, pedindo de beber, pendurado no madeiro da cruz, Ele diz: “Tenho sede” [5]. E assim como, depois, Ele revela ser a fonte de que brota água viva, na Cruz, de seu lado aberto, jorram sangue e água [6]. Nessas passagens, Jesus mostra ser a rocha da verdadeira água; a de Meriba, lembrada na primeira leitura de hoje [7], era apenas uma prefiguração. Mostra também ser a fonte maravilhosa que jorra do templo, profetizada por Ezequiel [8].
Aplicando tudo isso à nossa vida, somos chamados a amar a Deus. Ele tem sede do nosso amor: seja à beira do poço, onde acontece o matrimônio místico entre Cristo e a alma esposa, seja no madeiro da Cruz, onde Ele manifesta seu amor infinito por nós e nos pede que O amemos de volta. Deus tem sede de nós, rebaixa-se de modo a necessitar-Se do nosso amor. Fá-lo porque, em Seu amor, é Ele mesmo quem quer Se dar a nós: “Se tu conhecesses o dom de Deus (...), tu mesma lhe pedirias (...) e ele te daria água viva”.
Mas, como corresponder a esse grande amor divino? Precisamos entender que só Deus pode dar-nos a virtude de amá-Lo com verdadeira caridade. Por isso, é importante que Lhe peçamos essa graça, assim como o fez a samaritana: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede e nem tenha de vir aqui para tirá-la”.
Do mesmo modo que atendeu ao pedido daquela mulher – tanto que, de seu primeiro amor interesseiro, ela passa a reconhecer Jesus como o próprio Messias, abandonando o seu cântaro à beira do poço para anunciá-Lo [9] –, Ele atenderá o nosso pedido, fazendo-nos evoluir do amor dos principiantes – que começa com a luta sincera contra o pecado mortal, contra o “cavar cisternas fendidas” denunciado pelo profeta Jeremias [10] –, passar pelo amor dos mais adiantados – no combate ao pecado venial e às doenças espirituais, na busca de estar mais a sós com Deus e no amor ao próximo – até chegar, finalmente, ao amor dos perfeitos – no qual, como canta São João da Cruz, “sólo en amar es mi ejercicio”.
Por fim, bebendo de Cristo, brotarão de nós mesmos “rios de água viva”, pois Ele mesmo nos configurará a Si.
Deus quer o nosso amor. Amemo-Lo. O amor é o distintivo do cristão. Como fez a samaritana, tenhamos a coragem de abandonar os falsos ídolos e saciar a nossa sede na verdadeira fonte de água viva: Jesus.
REFERÊNCIAS:
01-Cf. Gn 24, 11-14
02-Cf. Gn 29, 1-30
03-Cf. Ex 2, 15b-22
04-Cf. João 7, 37-39
05- João 19, 28
06-Cf. João 19, 34
07-Cf. Ex 17, 3-7
08-Cf. Ezequiel 47, 1
09-Cf. João 4, 28
10-Cf. Jeremias 2, 13
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