VENTO E VALE
A palavra de Deus é como um vento tempestuoso que sopra sobre os vales da incerteza humana. Tal prerrogativa está bem acentuada nas pregações de Jesus, cujas palavras ecoaram e ainda ecoam nas consciências daqueles que “ouvem a palavra e a põem em prática”, a ponto de transformarem suas existências segundo o “sopro” do Espírito. Quem assim se deixa guiar, vence todo e qualquer vale, todo vazio que porventura dificulte suas aspirações de vida, as ameaças e desrespeitos a ela.
O vento da verdade libertadora de Cristo sopra sobre os vales da indignidade e das afrontas humanas. Soprou sobre a cidade de Santo Antonio do Descoberto, na diocese de Luziânia – GO. Lá, dias destes, duas mil pessoas revoltadas com o caos que domina a administração de tudo o que é público, tomaram o controle das principais ruas e estabelecimentos públicos da cidade. Nenhum veículo entrava ou saia. O grito de justiça tornou-se o hino da população. Contra os manifestantes, que apedrejaram a Câmara Municipal e gritavam palavras de ordem para seus governantes, a artilharia da repressão foi rápida e eficiente, com a polícia espancando e soltando bombas contra o povo que devia proteger.
Conta-nos o padre Marcelo José de Oliveira, pároco local, que estava em sua residência quando foi acordado com o som de uma bomba estourando perto de sua casa. Ao abrir o portão, viu um policial espancando um jovem morador da cidade. O padre ficou apavorado e acabou abrindo sua casa para dar abrigo aos que estavam próximos. Não contente com o que via, o religioso foi até a praça da igreja, onde era maior o confronto entre policiais e manifestantes e abriu as portas da paróquia para acolher o povo acuado.
“Naquele momento procurei o comandante responsável pela operação e disse que ali era terra sagrada e que ninguém iria encostar a mão em ninguém”.
Outra bomba de efeito moral foi disparada e o estilhaço acertou outro padre, que foi ferido na altura da cintura.
Enquanto isso, Marcelo Lopes, um deficiente físico de 31 anos, que só anda de bengalas, saiu em desespero à procura do pai, funcionário da prefeitura. Mas sua busca foi barrada por um policial que lhe deu um tapa no rosto e acionou outra bomba de efeito moral. No caos estabelecido, a gestante Daiane Rodrigues era transportada por uma ambulância, que foi impedida de sair da cidade. Mais tarde, já no Hospital Regional de Ceilândia, deu à luz a um natimorto.
Pe. Marcelo conclui: “A manifestação foi o grito de um povo que não agüentava mais ver tanto descaso da prefeitura; eles apenas se uniram em protesto para que o Estado não fique omisso diante do descaso”.
Descoberto é apenas um dos muitos “vales” plantados no limite da covardia do poder policial, capaz de surrar a cara de um deficiente e acuar uma população indefesa. A descoberto fica a ação de truculência dos que seguem o catecismo do poder temporal e rasgam o catecismo cristão. Aos injustiçados, a Igreja abre suas portas, pois que nenhuma mãe foge da luta quando seus filhos clamam e reclamam por suas dores. A ação profética daquele vigário merece apoio e aplausos, pois que a Igreja por ele representada não fugiu da rinha, nem silenciou sua voz diante da injustiça ali praticada. Que do povo se ouça sua voz, como vento santo que fecunda as sementes de paz, de harmonia, de fraternidade e justiça. Que nos “vales de lágrimas” do cotidiano político, social e pessoal, desse mundo em conflitos, seja o cristão o sal, a luz contra tantos dissabores, tanta negritude entre nós. Que opressores e oprimidos um dia digam, juntos, amém.
WAGNER PEDRO MENEZES
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